quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Danilo, de Edna - Belém/PA

Uma grande mulher. Essa é uma excelente definição da "baixinha" Edna.
Chegando do Rio de Janeiro, esta paraense - que já trazia uma história bonita na bagagem - procurou o Ishtar e nos deu a honra de escrevermos juntos uma 2a história...



"Memórias de partos

Nesta escrita, buscarei rememorar e escrever sobre o silêncio gritante das sensações, dos pequenos gestos, olhares e cumplicidades. Transcrever sobre a pulsação de vidas que transbordam se insurgindo no tempo das intensidades. Advirto, todavia, com Clarice Lispector, que “O que sinto é intraduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio (...)”.

Nas minhas memórias difusas, retomo meu próprio parto, numa casa simples no interior da Amazônia, nascida com a ajuda de uma entre tantas parteiras que assistem mulheres nessa região. Não apenas eu, mas meus 11 irmãos chegaram dessa forma ao mundo, na atmosfera de silêncio que tomava conta da casa; na escuridão do quarto, na nossa espera do lado de fora, junto com nosso pai, pois lá dentro o que acontecia era coisa de mulher. Panos brancos e limpos, água quente e, depois de algum tempo de silêncio, um choro anunciava que nascia uma nova criança.

É provável que essas reminiscências tenham sido acionadas quando optei, 36 anos depois de nascida, por ter minha primeira filha num parto domiciliar. Decisão difícil pra quem já tinha por mais de 15 anos se distanciado daquele universo em que nasci, e quando o excesso de informação e os medos fabricados tomavam conta “dos meus saberes” sobre partos e suas tecnologias. Tive que ler às avessas algumas informações, retomar essa origem, rememorar, lutar contra algumas “certezas” construídas pela ciência do nascimento, encontrar pessoas certas, nas horas certas.

Dessa forma, pelas mãos de uma amiga, li “meditações para gestantes”, antes mesmo de engravidar e, logo em seguida, numa feliz opção, encontrei a própria Fadynha e com ela convivi por quase 09 meses fazendo yoga para grávidas. Foi aí que tive maior embasamento para fazer essa opção, sem tantos medos, sem tantas amarras. Ela também me acompanhou, como doula, no parto da minha primeira filha.

Foram, em média, 14 horas entre a saída do tampão mucoso e contrações irregulares e mais 17 horas de contrações mais regulares, acompanhadas, essas últimas, pela tranqüilidade e habilidade do nosso obstetra, Francisco Villela, e pela experiência e serenidade da Fadynha, no nosso apartamento no Rio de Janeiro. Eu e meu companheiro consolidamos juntos essa experiência, construída ao longo da gravidez, e com esses importantes apoios conseguimos suportar nossos medos e nossas dores. Por volta de 3h da manhã minha bolsa foi rompida, para uma maior aceleração do trabalho de parto e às 09h54min do dia 27 de novembro de 2005, ouvindo Chico Buarque cantar:

(...) Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por ai (...),

nascia nossa Cecília e seus lindos cabelos pretos. Foi um trabalho de parto intenso, longo, respeitado, culminando com um nascimento tranqüilo, sereno, sem grandes intervenções, com os gritos e silêncios necessários nessa hora em que a vida se impõe definitiva. Por volta das 10h da manhã chegava no apartamento, nosso Pediatra, Ricardo Chaves, e com seu sorriso largo, avaliou como ótimas as condições de nossa filha.

No nosso segundo parto, quando essas experiências anteriores poderiam tornar o processo mais sereno, tivemos que mudar de cidade. Chegando a Belém, já com 5 meses de gestação, não tínhamos muito tempo e não conseguimos imediatamente identificar profissionais que já atuassem com partos domiciliares. Tivemos novamente que construir esse caminho, junto com um grupo de apoio a grávidas (Ishtar Belém) e com pessoas dispostas a enfrentar conosco esse desafio.

Antes dessa opção, novamente medos e angústias nos fizeram, primeiramente, procurar médicos e hospitais onde pudéssemos “negociar” alguns procedimentos menos invasivos. Foram tempos difíceis nessa busca, ouvindo relatos pouco animadores no grupo, fazendo consultas onde os profissionais se assustavam com nosso primeiro parto e percorrendo hospitais e seus tantos procedimentos pré-definidos e irreversíveis.

Quando nos convencemos de que aquela busca era improdutiva para um parto menos invasivo, reunimos em casa: Thaysa (doula e coordenadora do grupo Ishtar), Horácio e Luzia (enfermeiros obstetras), e decidimos inaugurar essa possibilidade em Belém. Já se avançava o tempo da gestação e uma ameaça de parto pré-maturo nos tirou as forças para essa empreitada. Conseguimos vencer esse primeiro desafio e com um repouso de mais de 20 dias, superamos essa condição e chegamos na 38ª semana.

Na noite do dia 17 de novembro de 2008, numa consulta de rotina a uma profissional que nos acompanhava, paralelamente aos enfermeiros, foram identificados 4 cm de dilatação. Dormi com uma pequena cólica que durou a noite toda, mas que a experiência da segunda gravidez me fez aceitar de modo sereno sem avisar a ninguém. No dia seguinte, mantendo a mesma rotina diária, observei o aumento da cólica e contração e, às 09 da manhã, liguei para todos, avisando.

Luzia foi a primeira a chegar, por volta da 10h30min, e ao observar as contrações teve certeza que aquele estado era de quem iria parir em breve. Chegaram logo em seguida Horácio e Thayssa e podemos dizer que o acompanhamento dessa equipe foi muito respeitoso e paciente. A atmosfera do nosso quarto era ainda mais acolhedora, pois eles falavam sempre com voz baixa, escutavam o coração do nosso filho de modo delicado.

Em certo momento, exatamente como no primeiro parto, eu e meu companheiro nos olhamos e vimos que precisávamos ficar sós. Todos nos deixaram e então nos abraçamos e respiramos juntos. Era como se juntasse minhas energias para os momentos finais do trabalho de parto.
Fomos pra banqueta de parto, ficando meu companheiro atrás de mim, me segurando e apoiando nas contrações. Não demorou muito para os demais voltarem ao quarto e perceberem que a cabeça começava a coroar com a bolsa intacta, sendo rompida por Horácio, já na saída.

Assim, às 13h55min, do dia 18 de novembro de 2008, ao som de Madredeus cantando:
(...) Ao largo ainda arde
A barca da fantasia
E o meu sonho acaba tarde
Deixa a alma de vigia (...)

nascia nosso Danilo e seu choro sereno, num parto rápido, intenso e tranqüilo.
Ficou dessas memórias a certeza de que fugir das tecnologias que se apoderaram do processo de nascimento é uma construção possível, se forem dadas as condições para os casais optarem por seus partos. Consolidar nossos partos domiciliares, com tranqüilidade, foi possível porque construímos juntos essa possibilidade, aliada à consciência de que somos protagonistas desse momento junto com nossos instintos. "

5 comentários:

Mangia che te fa bene disse...

Edna e Rany,
emocionada me lembrei de todo o processo lindo e feliz que foi a gestação do nosso grupo de Grávidas da Fadynha e do sorriso da Ciça, serena e tranquila como só poderia ser depois de ter vindo ao mundo de forma tão especial.
Parabéns pelo lindo relato dos partos, um beijo para o Danilo que não conhecemos ainda!
Saudades,
Verena

Mercia disse...

Que lindo Edna!!!! Adorei seu texto!!!
Eu acompanhei mais perto a Cecilia e sei que o aprendizado que tiveram com a chegada dela foi fundamental! Parabéns pra vocês por essa linda estória de vida!
beijos!
Mercia

Unknown disse...

Querida Edna,

que lindo seu depoimento! Emocionante mesmo. Não sabia que a Cecília tinha chegado assim, tão naturalmente, numa cidade como o nosso Rio de Janeiro onde as cesáreas são quase que impostas e os partos normais hospitalizados... Eu mesma tive os meus 2 filhos de cesárea e essa memória ativa não pude viver. Que a "memória dos partos" se espalhe pelas cidades do Brasil e promova grandes vitórias. Beijo grande no Danilo e na Ciça.

bjs

Bel
(mãe do Tomás e do Danilo)

ManuFuji disse...

Simplesmente lindo!!!
Parabéns!!!

Márcio Leno disse...

DAS INTENÇÕES DITAS PERMANENTES ENQUANTO DUREM.
Edna, Rany, Cissa e Danilo. Vocês já estão na minha história de uma forma Cissa de ser: cativante, de um jeito Danilo de ser: pletórico de sorrisos; de um jeito Edna de ser: companheira fidelíssima; de um jeito Rany de ser: íntegro.Vocês já sabem que sou o 12º filho de um casal de bravos, donos de uma prole de 14 no total. Desde que passei a me orientar melhor no tempo e no espaço, também passei a não temer as adversidades, mesmo com algumas peles a menos, como meus pais assim o fizeram. Para vocês não existem adversidades não superáveis, tenham essa certeza. Eu nasci de Madalena, meu grande amor em casa (Abaetetuba – Pará), num dia especial, 24 de outubro, bem cedinho, pelas mãos de algum anjo-PARTEIRA de nome ZITA, QUE TAMBÉM FEZ O PARTO DOMICILIAR DE MAIS 12 IRMÃOS. Desejo que as heras que o tempo nos plante na pele, vicejem sempre pelo caminho, gramíneas que construam outros poemas e mais poemas, outras Cissas e outros Danilos de tão especiais que são seus filhotes. Que os dias não se passem em vão para vocês, fortalecendo sonhos que nunca envelheçam. Abs, fraternos aos 4.
Márcio Leno Maués (segue meu blog)
www.mabissal.blogspot.com